Dizer que o Governo anterior teve
responsabilidade na situação do país é um embuste. Correu tudo bem. Até trouxe
o IKEA e a Pescanova. O que seria do país, se não tivesse trazido? A
responsabilidade, claro está, é da crise internacional. Da crise internacional
e do al, ala, pronto, alargamento. Bem, já tinha sido há algum tempo, mas também
terá sido responsável pelo facto de Portugal estar despreparado para combater a
tal crise que veio de fora e que atacou cá dentro.
Envolvi o PSD. Falei na véspera.
Informei. E isso não é envolver? Ou será que, para envolver, é preciso
discutir? O PSD não aceitou porque não quis. Se tivesse querido o PEC IV, tudo
iria resultar. Era só uma questão de fé. E muita gente não tinha fé.
Austeridade? Aaaaa, hmmmm, aaaa,
mistificação! Hmmm, já tinha o apoio de Bruxelas, o que mais poderia faltar? E
em Espanha também resultou…
O Presidente teve deslealdade
institucional. Foi outro ataque pessoal. E Cavaco não tem moral. Faz parte de
um grupo de conspiradores. É inconcebível que tenha dito aos jovens para se
manifestarem. E não tinha que informar o Presidente da República sobre o PEC
IV. Aliás, o Presidente da República, como cidadão que é, teve conhecimento do
PEC IV ao mesmo tempo que todos os portugueses.
Foi um tempo do oculto. E Cavaco
era a mão escondida atrás dos arbustos. Era a face ocult, hmmm, aaaa, a mão
oculta que nos levou para uma crise política. Demiti-me por vontade d…, hmmm,
do Presidente da República.
Opus-me sempre ao pedido de ajuda
internacional. Bom, foi eu que fiz o pedido de …, mas está tudo muito mal, mal,
hmmm, mal contextualizado. Não, não, ouça, desculpe, tenho muito respeito por
mim próprio, respeito o Teixeira dos Santos, vamos lá ver, eram tempos muito
duros, eram momentos críticos em que se construíram soluções com os parceiros e
fomos obrigados a pedir ajuda externa.
Fui o único que lutou contra o
pedido de ajuda externa. (Pausa para um suspiro romântico. Continuação de pausa
para quase deixar cair uma lágrima). Havia gente que clamava por ajuda externa, os
banqueiros, outros membros do Governo, a oposição também. Fui o patriótico, que
quis defender Portugal. Uma espécie de orgulhosamente só.
Desculpe, ele disse. Bom,
desculpe. Deixe-me dar o meu ponto de vista. A barreira dos 7 por cento. Bem,
desculpe. Dei, bom, deixe-me falar. Eu fui o único…há só um ponto…há…
Fomos obrigados a isso. Tomei
consciência disso. Por amor de Deus. Bom, está bem. Foi com uma conversa.
Desculpe, não compreendo essa obsessão pelos pequenos detalhes. Eu, na altura,
fui forçado, consciencializei-me. É sabido que não gostei, mas reconheci que a
minha luta chegou ao fim.
(Tempo para fazer perguntas,
passar para o papel de entrevistador e entrevistado ao mesmo tempo. Monólogo.
Não sabemos os resultados. Perguntemo-nos agora. Não valia a pena ter ousado
lutar pelo país?)
E já que chegamos a este ponto,
há outro embuste na narrativa que tem sido contada ao país. Não é verdade que
estas medidas sejam resultado do memorando do governo anterior. Este governo faz
o dobro do mal que negociei. Este governo não quer assumir as
responsabilidades. Agora é que descobrem? Eles nunca aplicaram o meu memorando!
Se o caminho tinha sido delineado? Bom, desculpe, isso é um
embuste. Oponho-me! Não havia o corte no 13º mês, o aumento do IVA e dos
impostos. Havia metas? O memorando não tinha medidas orçamentais? Embuste!
Oponho-me! O que eu acho é que estavam medidas. Posso-lhe dar uma? Bom, estavam
várias…
Tempo para inglês técnico. A recessão em V. Gestos.
Vamos lá ver, se me pergunta uma coisa, deixe-me dar a
resposta a outra pergunta (diferente daquela que fez). O país tem de parar com
a austeridade! (Finge não ter ouvido a expressão “investimento público”). Parem
de escavar! Parem com a austeridade. As metas? O memorando? Perguntou-me,
desculpe, se nós continuarmos com o dobro da austeridade…
Veja os números. Não é esse ano, é o outro. 20, 30. Ouça, já
lhe disse que não é esse ano. É o outro. Bom, mas a crise não é nesse ano.
Duplicou?
Olhe, meu caro amigo, dá-me licença. Há um período antes da
crise e outro depois da crise. Tenho ouvido essa narrativa. Subiram as dívidas
de todos os países, a crise internacional. Bom, aaaa, digamos, hmmm, entre 2005
e 2008, bem, perdoe-me, entre 2005 e, bom, você está a comparar com esse ano?
Desculpe! Isso é um embuste, estes números que lhe estou a dar estragam a sua
narrativa!
Deixe-me comparar a despesa com a dívida e com o défice e,
bom, ó amigo, deu no que deu, dê-me licença. Deixe-me retomar a pergunta que me
colocou, não é essa, é a outra, deixe-me dizer o que se deve fazer!
Fiz o maior aumento de salários dos funcionários públicos da
década, mas é fácil ver-se isso agora. Naquela altura, havia uma doutrina na
Europa, havia uma crise enorme em todo o mundo. Resolvemos aumentar os salários
no ano em que a crise bateu com estrond…sim, não tínhamos aumentado o salário
nos anos anteriores, mas houve aumentos no petróleo, hmmm, aaa, as nossas
expectativas, está bem, é mais fácil dizê-lo agora. É mesmo muito fácil falar
depois. Se quiserem, o melhor é contratarmos bruxos.
Energias renováveis. Energias renováveis. Energias
renováveis. Energias renováveis!! O maior crescimento da década! O país teve
êxito, não entre o princípio e o fim do mandato, mas entre 3 dos 6 anos em que
governei. Mas, ai, mas, desculpe, mas, é a minha tese …epá, desculpe, lembre-se
do défice energético e o que você está a dizer, hmmm, não é possível comparar!
Quanto às PPP’s, desculpará, está aí uma história mal
contada, outro embuste, esqueça essa narrativa. Eu na, na, na, não posso estar
num debate. Os senhores comportem-se! Nas PPP’s…rodoviárias…temos 22, sou
responsável por 8. Bom, na verdade, sou apenas responsáv…, desculpe, desculpe, está
a mudar a narrativa, são encargos de apenas 19 mil milhões de euros. Apen…bom,
foi apenas isso e você está equivocado.
Muita gente ficou a dever o seu emprego ao nosso programa de
aguentar empregos. Bom, o erro mais visível, bom é mais fácil ver agora… Nunca
deveria ter formado o segundo governo, minoritário. Se eu soubesse que iria
haver uma crise nas dívidas soberanas, nunca teria formado gov…um governo
minoritário.
Tempo para pose. Um pouco mais de pose. Postura melhorada.
Sensação de sentido de Estado. É melhor não falar sobre cenários, sou apenas um
ex-Primeiro-Ministro. Mudança de pose. Calimero. Pose de calimero. Pose de
calimero preocupado. Quando eu falava, quando eu falava, quando eu falava, …
Pose de determinação. Vítima. Calimero. Determinação.
Energias renováveis. Magalhães. Barragens. Novas
oportunidades. Mas ninguém gosta?
Retórica. Retórica socrática. Filosofia. Dante. Onde é que
está a esperança?
Tempo para falar da vida pessoal. Vitimização. Calúnia,
calúnia, calúnia. Não tenho vida de luxo. Pedi um empréstimo à Caixa Geral para
comprar um andar de luxo. Paguei. Pedi outro empréstimo ao mesmo banco para ir
estudar para Paris sem estar a trabalhar. Desculpe, caro amigo, isso é ignóbil.
Lava-se roupa suja.
Acaba-se como se começou. Repete-se a palavra “liberdade”. E deixa-se, no ar, a sensação de que há mais
narrativa para juntar à narrativa que se acaba de narrar, que não é mais do que a narrativa do costume.
Parte do país acredita, outra parte não acredita. E a maioria absoluta dos portugueses, enjoada, terminada que está a entrevista, pode, finalmente, vomitar!