O que se está a passar na Assembleia da República é grave.
É grave porque a Assembleia é a Casa da Democracia, onde são representados os cidadãos.
É grave porque a Casa da Democracia desprezou aqueles que deveria representar. Aqueles que, em três semanas, conseguiram arranjar mais de 90 mil assinaturas.
Mas é ainda mais grave do que isso.
Fala-se, na AR, de discriminação.
Fala-se no sentido errado. Porque foi a esquerda que discriminou. Discriminou um número enorme de portugueses que quer referendar o casamento gay.
E, assim, a esquerda vai aprovar, contra a vontade popular, uma alteração a um pilar da sociedade.
Vão aprovar com total desprezo por um direito que os cidadãos têm. Direito que estes exerceram.
Vão aprovar, impedindo um direito que o povo também tem. E que queria exercer.
Esses dois direitos estão na Constituição. E talvez fosse útil, para uma maioria de deputados, um regresso à vida universitária, para, em Direito Constitucional e Direitos Fundamentais, pelo menos ter uma pequena noção da interpretação que deve ser dada ao Princípio da Igualdade.
E vão aprovar, proibindo a liberdade de voto aos deputados, numa questão que tem que ver, quase exclusivamente, com a consciência de cada deputado.
Pior do que isso é, na mesma bancada, alguns terem liberdade de voto e outros não.
Não deixa de ser curioso que quem ataca os outros por quererem casamentos de primeira e casamentos de segunda, promova a divisão, na sua própria bancada, entre os deputados de primeira e os deputados de segunda.
Vá lá alguém perceber isto.
1 comentário:
Caro António,
Em primeiro lugar, começo por deixar claro que, embora defenda o casamento (e até a adopção) por pessoas do mesmo sexo e louve o conteúdo da Proposta de Lei passada em 8 de Janeiro último, sempre seria a favor de um referendo, quanto mais não seja por reconhecer que é um tema fracturante que dita o bom senso (e o bom gosto) que seja discutido por uma franja mais ampla da população.
Dito isto, não posso deixar de fazer dois reparos:
1. A falta de referendo é uma escolha legítima. Ao contrário do que sustenta o António:
a) O povo (já) não tem o direito de se pronunciar sobre este tema; e
b) a aprovação desta alteração à lei, como constava de um programa político (não o que perfilho, note)que foi publicamente discutido e democraticamente sugfragado, não foi obtida ao arrepio ou com desprezo da vontade popular. Aliás, julgando pela aprovação que as medidas prometidas pelo PS suscitaram na população, eu diria até que a maioria configurou como positiva, ou, no mínimo, inócua, a aprovação desta lei.
2. Que a maioria é contra é uma conclusão que é sua. Que 90 mil serão contra é verdade. Mas 90 mil são aproximadamente 0,9% da população, dificilmente uma maioria.
Que mais do que estes serão contra, é uma ilação que não tenho dúvidas que encontraria reflexo na realidade.
Que a maioria, ao ponto de tornar um eventual referendo vinculativo, seria contra, é uma conclusão não fundamentada.
Terá que convir que é mais simples para quem é contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo afirmar peremptoriamente que a maioria é contra.
Mas a verdade, proprio sensu, é que não se sabe. Não se tomou o pulso de forma quantitativa e aritmética à população, e portanto, cada um pode dizer que o voto recairia na opção da sua escolha.
3. Não sendo eu de esquerda, acho bizarro que se diga que a "a esquerda (...) Discriminou um número enorme de portugueses que quer referendar o casamento gay."
A discriminação assenta na exclusão indevida de alguém com direitos. Goste-se ou não, os portugueses já não têm direito a referendar esta matéria, pelo que não estão a ser discriminados no seu acesso a ele.
4. Quanto à disciplina de voto, é um mecanismo perverso que faz parte das regras do jogo democrático, mas que se compreende numa óptica de ser injusta a eleição de um representante que se faz eleger como proponente de certas ideias e uma vez eleito se afasta delas a contento. Da minha parte, se eu fosse marcadamente contra uma medida pública e polémica do meu partido, não punha o meu nome na lista.
Para além disso, estou certo que se houvesse referendo, as instituições anti-casamento de homossexuais certamente não deixariam de solicitar aos seus fieis semelhante disciplina, pelo que acaba por ser um desvio à liberdade de consciência transversal a ambas as posições.
Um abraço.
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