Depois de 110 anos, de 34 campeonatos ganhos, de muitos super-clássicos realizados frente ao Boca Juniors, a despromoção dos "milionários" para a segunda divisão do futebol argentino traduz-se numa queda com um brutal estrondo de um dos mais importantes clubes de futebol da América do Sul e do Mundo.
Com o El Monumental completamente lotado, depois da pior época da História, frente a um Belgrano que foi, assim, repescado, eram expectáveis os incidentes. Se a descida de um gigante como o River Plate nos choca, a nós, que vivemos o futebol de outra maneira, imaginem só como deverá estar a fervilhar o sangue dos adeptos desta enorme potência do futebol argentino.
Mais brutal do que a despromoção só mesmo as imagens que nos vão chegando dos incidentes que estão a ocorrer nas imediações no estádio, muito mais previsíveis do que o desempenho de quem não conseguiu honrar o símbolo da camisola que vestia.
E aqui há uma reflexão que nós, que gostamos de futebol, devemos fazer. Sendo uma potência do futebol argentino, o River Plate é um clube vendedor. Exporta futebolistas de grande qualidade para os grandes clubes europeus. E jogar no River deveria ser um privilégio para quem ali joga. Jogar no River é jogar no River, jogar no Boca é jogar no Boca, como jogar no Benfica é jogar no Benfica e jogar no Sporting é jogar no Sporting.
Quando jogar num clube, por maior que seja a sua História, é visto, pelos jogadores, como um trampolim, vejam só o que pode acontecer.
Este pode ter sido o primeiro grande sinal de que o futebol precisa de mudar. Nada impede que isto possa acontecer nos próximos tempos, por exemplo, com um Liverpool. E falo no Liverpool para falar de um clube histórico que foi, este ano, superado pelo Manchester United, que tem sido ultrapassado por equipas recém-compradas por milionários, como o Manchester City ou o Chelsea, até então equipas de bairro.
E, nos clubes portugueses, temos, e temos todos, de começar a dizer aos jogadores que há contratos, que os contratos são para cumprir, que aqui não se joga para dar o salto, jogando-se para chegar onde podem chegar os milhões ao final do mês, sem empenho, sem amor à camisola, sem qualquer respeito pelos sócios e adeptos.
Temos de ter muito cuidado quando aceitamos, sem condições e sem debate prévio, que um iraniano tenha acabado de "comprar" o Beira-Mar, tornando-se accionista maioritário de uma SAD que, para esse efeito, vai agora ser criada.
Com todo o respeito pelas gentes de Sandim, e para não falar de clubes que têm estádios novos e boas condições de trabalho, nada impede que venha um milionário que compre o Dragões Sandinenses e o torne campeão nacional, colocando-o na Liga dos Campeões, alterando, pela força do dinheiro, o rumo de uma história do futebol português que foi construída à custa do sonho, do trabalho e da dedicação de muita gente e em vários clubes de norte a sul do país.
O dinheiro está a desvirtuar a essência do futebol e a verdade desportiva, aliciando jogadores, aos quais é retirado o empenho, o esforço, o respeito pelos adeptos, a paixão pelo jogo, o amor à camisola.
A consequência é esta. É esta, para já. O River Plate, esse clube de todos os tempos, vai para a segunda liga.
E não se choquem com o comportamento apaixonado dos adeptos, porque aquilo é a América do Sul. E, goste-se ou não, o futebol ali é assim. Vivido intensamente, nos limites, com lágrimas, suor, paixão.
Por cá, nestas terras calmas que vivem em crise e não se passa coisa nenhuma, talvez devamos começar a reflectir sobre as exigências que devemos fazer, sobre as condições que devemos colocar, sobre o caminho que queremos seguir.
Bem compreendo o Professor Jesualdo Ferreira quando dizia que ninguém pensa o futebol português. Depois de Pinto da Costa, continuará o nosso futebol a ter projecção internacional? Não sei. O que sei é há uma coisa que vai ficar. São passivos e prejuízos monumentais que os clubes históricos de Portugal não estão a conseguir combater.
Estamos a seguir um caminho que nos pode levar ao fundo do poço, assumindo que somos apenas para a transição, para a passagem, para o salto, o mesmo caminho que foi seguido pelos milionários que não são milionários do River Plate.
Quando apanharmos o primeiro susto, os benfiquistas vão perceber que de nada lhes vale apresentarem as estrelinhas a dizer que ganharam duas Ligas dos Campeões há cinquenta anos, quando era ainda muito nova ou estava por nascer a geração anterior à que começa agora a entrar para o mundo do trabalho. Os sportinguistas vão perceber que a formação mal feita pode ser fatal, que ser o segundo clube europeu com mais títulos da Europa em todas as modalidades é um estatuto que não dura sempre. Os portistas vão olhar com rancor para José Mourinho, Villas-Boas, Falcao, João Moutinho.
E que saudades vamos ter do Eusébio, daquele cantinho do Morais, de Manuel Fernandes na tarde quente de inverno em 1986 no velhinho Alvalade, e de outros jogadores que muitos de nós nunca vimos jogar.
Além desses, Nuno Gomes, Jorge Costa, o próprio Mantorras que jogava com uma alegria que contagiava ou Sá Pinto, que comia a relva pelo seu Sporting...vamos recordar esses e muito poucos outros.
António Champalimaud dizia que "ao contrário da honra, tudo se compra e tudo se vende".
Eu incluo aqui uma outra coisa que não há dinheiro que compre. É a paixão!
Dinheiro não compra paixão. E estão a acabar com a paixão.
Pior do que isso é não saber reagir a essa situação, assumindo uma posição claramente subserviente.
Nesse aspecto, e a propósito da descida do River Plate, há quem esteja, por incompetência, a fazer muito mal ao futebol. Mesmo muito mal. Na Argentina, no Brasil, em Espanha, em Inglaterra, em Portugal...
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