terça-feira, 25 de novembro de 2014

À política o que é da política


Do ponto de vista criminal, e ainda que esteja preso preventivamente, à espera da acusação e, eventualmente, do julgamento, é importante sublinhar que Sócrates é inocente até que se prove o contrário. Como tal, nesta fase, parece-me totalmente imprudente comentar a investigação a José Sócrates, apenas me cabendo, por agora, demonstrar-me solidário para com a sua família e amigos, naturalmente abalados e surpreendidos pela notícia dos crimes que, a terem ocorrido, certamente, desconheciam.

Nesse sentido, parece-me correta a reação dos responsáveis políticos e de alguns comentadores, recusando-se a proferir comentários sobre um assunto que é da exclusiva responsabilidade do Ministério Público e dos tribunais.

Porém, se é correta a velha máxima de que “à justiça o que é da justiça”, repetida insistentemente por vários responsáveis políticos, deve-lhes ser dito que “à política o que é da política”. Se, do ponto de vista criminal, a investigação cabe ao Ministério Público e o julgamento cabe aos tribunais, deveremos relembrar que, do ponto de vista político e evitando recorrer a perigosas ironias, Sócrates – e o “seu” PS” – já foi condenado pelos eleitores.

Do ponto de vista político, o PSD não pode deixar de reavivar a memória dos portugueses, não se condicionando por processos judiciais por que o PSD, de modo nenhum, se pode responsabilizar.

Reavivemos a memória.

Sócrates chegou a Secretário-Geral do Partido Socialista, substituindo Ferro Rodrigues, após o escândalo do processo Casa Pia, tendo sido eleito Primeiro-Ministro na sequência da dissolução da Assembleia da República, pelo PS (Presidente Sampaio). Foram circunstâncias especiais, mas o que é certo é que Sócrates chegou a Primeiro-Ministro, tendo quatro anos com maioria absoluta.

Apelando à memória na perspetiva de, rapidamente, a reavivar relativamente ao primeiro governo de Sócrates, lembramo-nos de uma estratégia de desburocratização (Simplex, Empresa na Hora, etc.), do Plano Tecnológico e das Renováveis, além daqueles quase insólitos computadores Magalhães. Sendo certo que estes aspetos não reduzem o governo de Sócrates, certo também não deixa de ser que, para uns, foi poucochinho e, para outros, tudo não passou de fogo de vista.

Do ponto de vista das reformas, o resultado foi curto para quem tem maioria absoluta, apesar de nos lembrarmos da implementação de um processo de avaliação dos professores, que, pese embora as críticas naturais dessa classe, foi um ponto de partida positivo.

Sabemos o estado em que Sócrates deixou o país. Porém, é preciso rebater aquela ideia de que houve um primeiro momento antes da crise internacional e outro momento, depois desta, a que o governo socialista era alheio. Em boa verdade, não é bem assim.

Entre 2005 e 2008, o crescimento económico em Portugal foi inferior a metade do crescimento médio da União Europeia. De ano para ano, Portugal afastou-se, portanto, da média do crescimento da União Europeia. Ainda para mais, o crescimento português não era sustentando, visto que o saldo negativo da balança corrente foi sempre em crescendo.

Se o povo estava iludido? Porventura, sim. Estava confundido com o discurso otimista e megalómano, não condicente com a realidade económica portuguesa, que trazia, para cima da mesa, assuntos como o TGV, a terceira ponte sobre o Tejo e o novo aeroporto internacional de Lisboa, que, num dia, jamais poderia ser construído na margem sul do rio Tejo e, no outro, tinha de ser feito em Alcochete, na margem deserta daquele rio, tendo-se feito esse anúncio repentinamente, ignorando a opção, até então, inflexível do governo pela Ota.

A crise internacional reforçou a crise económica e deixou a nu o buraco nas finanças públicas. Como se não bastassem as promessas incumpridas (a mais célebre foi a promessa dos 150 mil postos de trabalho, num tempo em que o desemprego foi aumentando), as Agências de Comunicação tornaram-se infrutíferas e impotentes.

Ainda assim, fizeram-se grandes encenações, em torno de uma imagem de progresso, resultado da ótima conjugação entre cor e tecnologia (aliadas ao inegável dom de retórica de José Sócrates), que não condizia com a realidade. A solução adotada passou pelas questões fraturantes, contra as quais me bati, do casamento entre pessoas do mesmo sexo e da liberalização do aborto até às dez semanas de gravidez. E, com isso, Sócrates ganhou tempo, recuperou o fôlego que fora perdendo, também, no Jornal Nacional de Moura Guedes, mas o país ia caminhando em direção ao buraco.

Politicamente, o que deve ser discutido é o resultado do período de governação do PS liderado por Sócrates. Depois do primeiro, do segundo e do terceiro PEC, e da colaboração da oposição no sentido de tentar salvaguardar a mínima estabilidade política e financeira, o seu governo não resistiu ao quarto PEC e ao alerta de Teixeira dos Santos de que a fonte por onde corria o dinheiro tinha secado.

Forçado, pela conjuntura que criou, pediu ajuda ao Fundo Europeu de Estabilização Financeira, assinando um memorando de entendimento com a Troika que impôs, ao governo que se lhe seguiu e ao povo português, a austeridade que, ainda hoje, estamos a pagar.

Passaram três anos e meio de dificuldades extremas, com algumas reformas importantes, e os indicadores demonstram que o país está a melhorar. À semelhança do que ocorreu na segunda parte do governo Barroso/Santana (chamados a governar na sequência da demissão de Guterres e de se ter assumido o pântano), o PS reorganizou-se, tirando o tapete a Seguro, que, sozinho, fez a longa travessia do deserto.

Quem vemos? Ferro Rodrigues, Vieira da Silva, Lacão, Silva Pereira, Santos Silva e António Costa, que, antes de ser o autarca das taxas e das taxinhas, era o número dois de Sócrates, a cuja memória apela.

Depois do esforço histórico feito pelos portugueses na sequência do resgate, e sendo obviamente indesejável recorrer a expressões do tipo “entregar o ouro ao bandido”, há que relembrar que os senhores que agora voltam são os mesmos que estiveram politicamente com Sócrates e que deixaram o Estado de bolsos vazios, sem dinheiro para pagar aos funcionários públicos no mês seguinte. É por isso – e pelo que isso me custou, como contribuinte – que condeno Sócrates e os governos que liderou.

Há que separar os campos. Mas deve reforçar-se a ideia de que o que é da política deve ser debatido politicamente. Bancarrota, memorando, resgate, desbaratização das empresas históricas portuguesas que caem em mãos estrangeiras, perda de soberania financeira, desemprego, falências, perda do poder de compra, recessão, endividamento excessivo. Ainda que estejamos perante um processo judicial, há que separar as águas. E ninguém se pode deixar condicionar e deixar de relembrar os portugueses da política de empobrecimento que caracterizou o período em que o país foi governo por Sócrates e pelos seus camaradas.

Sintetizados os resultados das suas governações, repito: o PS que nos governou é o mesmo PS que nos quer voltar a governar!

Como tal, pese embora o que é da justiça, ninguém se pode negar ao debate político, sob pena de, à entrada para um ano de eleições, o nosso país correr o risco de ter, no governo, o regresso a um passado que não foi mesmo nada porreiro, pá.