domingo, 5 de dezembro de 2010

A verdadeira liberdade


Nós, portugueses, somos muito contidos nas palavras.

E essa contenção cresce à medida que a idade avança. Vamos retendo as palavras, vamos deixando as coisas por dizer.

É o politicamente correcto, é o querer-se agradar a toda a gente, é o não querer ferir susceptibilidades.

Tive a oportunidade de ter aulas com um professor norte-americano, onde falámos de Direito Anglo-Americano, tendo-nos debruçado sobre casos importantes, alguns com mais de cem anos.

Mas, livremente, o Professor falou de tudo. De relações sexuais com menores, de adultério, do aborto e fez críticas directas a políticos.

Confesso que, na maioria das vezes, não concordei com ele. Numa questão tão delicada e tão recente como o aborto, o Professor nunca teve medo de confrontar a turma e de dar a sua opinião.

Aqui, e de uma forma ainda mais vincada, não concordei com ele. Mas a forma livre com que ele falava dos assuntos mais polémicos fez-me sentir que estamos, no campo da liberdade, ainda muito longe do que era desejável.

A aprendizagem é melhor quando se traduz em aspectos práticos. E não devem as faculdades deixar de falar sobre situações práticas, sobre casos concretos. Numa aula de Direito Fiscal deve-se falar das propostas para Orçamento de Estado em matéria de impostos e política fiscal. Numa aula de Direito do Trabalho deve-se falar da flexibilização laboral e das greves gerais. Em vez de se falar do sindicato X ou dos trabalhadores do sector de actividade Y, dever-se-ia confrontar os alunos com a possibilidade de uma greve selvagem, idêntica à que ocorreu em Espanha, e as respectivas consequências nas relações laborais. Numa aula de Direito Administrativo deve-se falar, por exemplo, da questão dos blindados. Numa aula de Direito Constitucional devem-se discutir propostas de revisão constitucional, mas também se deve conceder a liberdade de serem os alunos a, de acordo com os conhecimentos que adquiriram, decidir, em aulas, testes ou exames, se uma determinada lei é inconstitucional ou não.

O Direito é oco quando fala constantemente de António e Bento. António mata Bento, António não paga a Bento…e António, António, ainda por cima, é o meu nome.

Fora de brincadeiras, o Direito é prático. As faculdades têm feito um esforço notável para que o Direito, estudado nas faculdades, seja tão prático quanto, de facto, ele já é.

O Professor norte-americano falava de casos concretos, do caso julgado. Tomava uma posição. Confrontava a turma. E a turma debatia o tema. Um autêntico hino à liberdade!

Por cá, são raros os professores que dão o verdadeiro nome ao Bento ou ao sindicato X. Nas aulas não se fala de Miguel Macedo, de Francisco Assis, de Paulo Portas. E quando se fala de Sócrates é sempre ao Sócrates filósofo que se está a querer referir. Fala-se sempre de coisas abstractas: no legislador, na Administração Pública, no órgão de soberania.

É o reflexo de um país que ainda sente algumas dificuldades em assumir a coragem e a frontalidade, mas também o rigor, próprios de um país verdadeiramente livre. O país é mesmo assim.

Mas há-de chegar o dia em que um Professor de Direito Constitucional de uma universidade pública vai poder confrontar os alunos com uma questão polémica como o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o casamento com animais, espicaçando os alunos e fazendo-os responder, com base nos conhecimentos adquiridos, a questões da vida real. Vai poder fazê-lo sem que os alunos se sintam ofendidos, sem que as televisões apresentem o caso como uma polémica. Porque, afinal de contas, aquele professor mais não fará do que tomar a liberdade de ser completamente…livre. Tal e qual sugere a nossa Constituição. Tal e qual como acontece do lado de lá do Atlântico, a norte da Linha do Equador.

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