quinta-feira, 10 de novembro de 2011

A hora de mudar


Em Portugal, há 14 pessoas presas por fugirem ao fisco. É um número que diz muito. Mas talvez ainda diga mais, se olharmos para a sanção prevista para o crime de fraude fiscal. Em Portugal, a pena máxima é de 3 anos. Pena mais baixa, na União Europeia, só encontramos na Grécia, cujo limite máximo é de 3 meses. Em Espanha, é de 6 anos. E nos países nórdicos, a pena máxima é de 30 anos, pena idêntica à prevista para o crime de homicídio.
O que quero dizer com os exemplos práticos dados no parágrafo anterior é que a lei, por ser orientadora, acaba por reflectir a sociedade que visa regular. Por assim ser, os próprios juízes, por terem de aplicar a justiça em nome do povo, acabam por não punir, com a pena principal prevista para esse tipo de crimes, quem, por não querer, não cumpre as suas obrigações fiscais.
Se formos perguntar a um português comum o que decidiria se só tivesse dinheiro para pagar a um empregado ou ao Estado, a esmagadora maioria dos portugueses não hesitaria em dizer que, nessas circunstâncias, preferia pagar ao empregado. Sem o salário, o empregado não tinha como pagar os seus débitos, deixaria de poder pagar as contas correntes. Sem pagar o salário ao empregado, a pessoa sente que estaria a pôr em causa a condição económica do mesmo, com consequências na respectiva família, na medida em que poderia deixar de poder satisfazer as necessidades familiares básicas.
A maioria dos portugueses pensa dessa forma, ainda mais quando sabe que o empregado tem filhos.
Fá-lo por uma questão de proximidade, que confunde com sensibilidade.
Mas fazendo-o, comete um erro. É isso que pensam as sociedades ricas. É nesse sentido que vai a nossa jurisprudência.
Há, neste aspecto, uma clara falha cultural, que merece ser mudada.
Até agora, ou até há dois anos atrás, quem fugia ao fisco, vangloriava-se do feito. Era tomado por espertalhão por uma sociedade que foi tolerando essa fuga.
Era menos dinheiro que ia para um nada gigante, um Estado Todo-Poderoso, entidade abstracta que servia para financiar um conjunto de pessoas que a sociedade, por distanciamento, nem conhecia.
Hoje, estou certo de que existem cada vez mais portugueses a pensar que o dinheiro daquele que foge poderia fazer a diferença. Existe uma tendência para que a própria sociedade comece a repudiar estes comportamentos. Mas estamos ainda muito longe do ponto onde deveríamos estar, o mesmo onde estão os países nórdicos, aparentemente imunes a crises.
Pagar os impostos é um dever fundamental. Porque os impostos financiam o Estado.
Ainda existe um conjunto de portugueses que pensa que "financiar o Estado" significa pagar salários à senhora das finanças que está sempre mal disposta, à senhora da junta que nos atende sempre como se lhe estivéssemos a fazer um favor, ao senhor que nunca trabalhou mas que recebe mensalmente para estar sentado à frente de um computador num desses institutos ou empresas públicas que não servem para nada.
Pensa, esse conjunto de portugueses, que o imposto que paga tem uma lógica: tira do que trabalha para poder dar a quem, por estar no Estado, finge que trabalha.
Não é assim. Não é assim, de todo.
Financiar o Estado é pagar para que possamos viver com o mínimo de segurança e bem-estar. Com os impostos, paga-se aos médicos, aos polícias, aos professores, aos bombeiros, aos juízes, a funcionários públicos e particulares (por exemplo, no que respeita aos subsídios aos agricultores) que, em razão da sua actividade, nos garantem a subsistência.
Como se muda, então, esta mentalidade? Com leis, com políticas e com comunicação. Com leis que combatam a fraude fiscal, com políticas que orientem os próprios juízes a condenar quem não paga os impostos, com uma comunicação de maior proximidade que faça, com palavras claras, com que o homem médio possa, quando paga, por exemplo, o IRS, além do valor que tem de declarar, perceba o destino que é dado aos impostos, ou seja, o motivo pelo qual existe um Estado que carece de financiamento.
Pagar os impostos, ao contrário do voto, não é um direito, e não deve ser visto como um direito. É um dever. Aliás, o próprio voto, na minha opinião poderia passar a ser um dever.
É por não terem pago o que deviam, nem ter votado como deviam que os portugueses (sim, nós todos, os portugueses) fizeram com que o país estivesse, nesta altura, a ter de vender os anéis, na iminência de ter de vender também os dedos.
O voto enquanto dever deve ser alvo de uma outra reflexão. Mas já que falamos no voto, que falamos de leis e de política a pretexto do dever de cumprir com o fisco, não poderia deixar de terminar esta reflexão com um aplauso ao Governo em que os portugueses votaram: estando em vista uma alteração legislativa que irá aumentar a pena máxima da fraude fiscal, colocando-a igual à do furto; estando a ser levadas a cabo, por necessidade, políticas de combate à evasão fiscal; só falta, para já, a estratégia de comunicação. Mas há quem, no PSD (sim, ainda existe PSD), esteja a fazer essa comunicação, nos jornais, nas televisões, em todos os meios de acesso à sociedade civil.
Não sei se ficaram por cumprir algumas promessas. O que sei, tomando este assunto como exemplo, é que falavam verdade quando diziam que vinham para "Mudar Portugal". Estava mesmo na hora.

2 comentários:

maria disse...

Espero que consigam mudar Portugal.

Portugal bem precisa, Portugal e todos nós.

Compreendo o que diz sobre o pagamento de impostos e para que servem...muitas pessoas ainda fogem e se vangloriam do feito porque é a única forma de se "vingarem" do Estado, o mesmo Estado que faz o que quer, gasta o que quer e não respeita nada nem ninguém...onde os grandes fogem como os pequenos, mas onde a lei só é aplicada aos pequenos, aos grandes nada lhes acontece...é só ver as notícias, as grandes trafulhices que se fazem e ninguém é castigado e ainda estão todos inocentes...

Quem não dá o exemplo...

Bjs :)

Anónimo disse...

Bom texto. Parabéns pela qualidade das últimas publicações.
Um Abraço

BeiraMar