terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Os cavalos grandes


Se perguntarmos a cada criador a forma como define um cavalo Puro Sangue Lusitano, dificilmente podemos encontrar duas respostas iguais. Tendo sempre como ponto de partida o cavalo que surge como padrão da raça, e que determina uma maior ou menor pontuação na aprovação como reprodutor, as respostas variam em função do modelo de cavalo que, em cada casa, o criador se propõe criar.
Na minha opinião, mais importante do que a morfologia, que não pode, ainda assim, fugir muito do estabelecido para padrão da raça, o cavalo Puro Sangue Lusitano distingue-se dos outros, sobretudo, pela cabeça. Para mim, um bom exemplar da raça é um cavalo inteligente, nobre e leal, em plena sintonia com o seu cavaleiro e cujos andamentos são naturais. É um cavalo com um passo descontraído e com um galope redondo, ainda que, a mando do cavaleiro, possa ser mais curto, até porque o galope curto é essencial no Puro Sangue Lusitano que, além de outras funcionalidades, é, sobretudo, um cavalo para uma equitação de trabalho. É da inteligência do cavalo coligada às intenções do cavaleiro que resulta a harmonia que, num conjunto vasto de animais, nos permite identificar imediatamente qual é o Puro Sangue Lusitano.
É assim que eu vejo o Puro Sangue Lusitano, como um cavalo de ensino fácil e cujas aptidões são vastas, dependendo daquilo que cada criador quer fazer. Tanto pode servir como cavalo de equitação de trabalho ou toureio, como de laser ou dressage. Dependendo da morfologia e da qualidade do trote, o cavalo Puro Sangue Lusitano pode ser também um bom cavalo para a atrelagem. Sendo, no meu entendimento, versátil por natureza, pode também ver-se o Puro Sangue Lusitano, em alguns casos, como um bom cavalo para a iniciação aos saltos de obstáculos, com alturas mais pequenas.
Nos últimos tempos, até pelo impacto de teve em alguns criadores, têm sido criticadas algumas reprovações na pontuação que confere ao cavalo a aprovação como reprodutor e a consequente inscrição no livro de adultos. 
Tenho acompanhado, com preocupação, o que se tem dito, o que se tem discutido e os resultados dessas mesmas pontuações e, no meu entendimento, parece-me que devem ser alargados os critérios de aprovação dos cavalos, porque, além de se querer seguir uma lógica de fazer aprovar o cavalo da moda (que ainda está para nascer e que, porventura, até poderá não ser um Puro Sangue Lusitano), se está a seguir um caminho demasiado redutor.
Apesar de todos sabermos que o Puro Sangue Lusitano é um cavalo que deve rondar o metro e sessenta ao garrote, pedem cavalos grandes. Estou contra esse factor, mais a mais porque entra em confronto com o que se exige no cavalo-padrão da raça. 
Têm ido a aprovação cavalos grandes, de uma linha de cavalos que teve enorme influência na criação da raça, que é a linha Andrade. São reprovados.
Pergunto. Se querem cavalos lusitanos grandes, por que razão os reprovam nas pontuações?
A criação do cavalo lusitano em cada casa depende apenas de duas razões que estão muito próximas: por um lado, a forma como o criador vê o modelo de cavalo Puro Sangue Lusitano e as funcionalidades que dele quer retirar e, por outro, a sensibilidade do criador.
Na nossa criação de cavalos, apesar de termos cavalos de linha Andrade, com outro tipo de poderio físico, o que nos interessam são os cavalos com boa cabeça, que sirvam às pretensões do seu proprietário. E os cavalos de metro e sessenta têm uma elasticidade que é muito mais difícil encontrar em cavalos grandes, que têm um galope menos fluído e que, por ser anti-natural, necessita de um muito maior esforço e ensino por parte do cavaleiro.
Ainda que consiga alcançar um galope mais redondo e que possa, por força do trabalho, parecer com um passo mais descontraído e fluído, esse cavalo grande é, naturalmente, um bom trotador. Apesar de não ser o típico lusitano (que sobressai pelo seu passo e galope), não deixa de ser um cavalo lusitano com outro tipo de constituição física e, por força desta, está mais habilitado para disciplinas focadas em cavalos com um bom trote. Um cavalo desses tem funcionalidade. Por exemplo, para a atrelagem, para a equitação de laser ou para a caça a cavalo. Sendo menos versátil, é funcional. E, em função da genealogia, não deixa de ser um cavalo lusitano e um potencial reprodutor.
Ora, na minha opinião, o que os júris querem é um cavalo grande e bem constituído fisicamente que tenha, simultaneamente, andamentos mais redondos e fluídos. 
Não digo que um cavalo com essa morfologia não possa alcançar a beleza de andamentos típico de um cavalo-padrão da raça tal como esse padrão existe na actualidade. Digo apenas que um cavalo grande, por regra, tem andamentos mais pesados. É um cavalo menos confortável para o cavaleiro, com o qual é mais difícil alcançar a sintonia, por exemplo, no galope, que é característica de um bom e típico cavalo Puro Sangue Lusitano.
Conseguimos perceber, com poucos meses de idade, se um determinado poldro pode vir a ser, ou não, um bom reprodutor. Depende da sua constituição física, do seu temperamento e da beleza e naturalidade dos seus andamentos. Se o poldro for excelente nesses três factores, será um cavalo excelente e, consequente, um excelente cavalo para as éguas. Um cavalo grande, mais pesado, pode ter uma boa morfologia e até vir a ter, depois de trabalhado, andamentos muito bons. Se for excepcional depois de bem montado, pode e deve ser aprovado como reprodutor. Mas tem de se ter em conta que a sua descendência perderá a naturalidade dos andamentos, necessitará de um esforço acrescido por parte de criadores e equitadores e perderá uma das maiores virtudes que encontro num cavalo Puro Sangue Lusitano.
Esta é a minha opinião, que resulta de uma verdade indesmentível e relativamente básica: porque eu posso ter poucas capacidades para ser um bom astrónomo e depois de estudar e empenhar-me nessa área durante anos ser um astrónomo aceitável. Mas isso não faz de mim, naturalmente, um astrónomo de excepção, porque, naturalmente, eu tinha outras capacidades. E, acima de mim, existiam outras pessoas com aptidões naturais para que fossem excepcionais a estudar corpos celestes, como as estrelas.
Considero, assim, que, além da morfologia, o cavalo lusitano tem de ser nobre, inteligente e leal, que constitua, com o cavaleiro, uma sintonia que faça que da soma dos dois nos pareça resultar um só, e uma harmonia perfeita. Tirar, ao Puro Sangue Lusitano, essa naturalidade que o torna versátil, funcional, eficiente nas funções para que os criamos, (sendo, ainda por cima, de uma beleza inigualável) é seguir uma utopia, descaracterizando a raça, retirando-lhe valores que, durante décadas de trabalho de vários criadores, já eram dados como assentes.
Sendo certo que um reprodutor tem de ter uma boa constituição física e, por isso, uma altura mínima ao garrote e que a raça pode, e deve, ser melhorada e desenvolver-se, parece-me que se está a criar, ainda para mais com intenções duvidosas e pontuações que revelam critérios muito discutíveis, um mito. 
Querem o melhor dos dois mundos, ou seja, um cavalo maior, mais forte e mais pesado, morfologicamente perfeito, com andamentos naturais e de excepção. Querem que esse seja o protótipo de um bom reprodutor Puro Sangue Lusitano.
Mas o Puro Sangue Lusitano não é assim. E esse cavalo, que querem, não existe.

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