sábado, 3 de março de 2012

Um só herói



José Mel Pérez é treinador de futebol há 14 anos. É treinador do Bétis e treinou sempre em Espanha. Nunca ganhou ao Barcelona. Será que isto quer dizer que, quando o Bétis joga contra o Barcelona, deve procurar outro treinador? Deverá, José Mel Pérez, tomar uma posição no sentido de não se sentar no banco quando o seu clube defrontar o Barcelona?
Perceberão bem o que quero dizer, onde quero chegar. Porque o Benfica já ganhou jogos arbitrados pelo Pedro Proença. Não consegue ganhar, com Pedro Proença a apitar, ao Porto. Mas aí a questão é diferente. Porque a questão que se coloca, ou devia colocar, é que o Benfica, com ou sem Proença, não consegue ganhar ao Porto. E essa é que é essa.
Claro que a equipa de arbitragem errou. Marcou faltas duvidosas que originaram lances decisivos, não marcou um penalty cometido por Cardozo, não assinalou um fora-de-jogo que acabou por ser fatal para o Benfica, apesar de milimétrico, porque Maicon se aproveitou da posição irregular para fazer o golo da vitória.
Mas o jogo que vi, apesar de ter sido um grande espectáculo, foi emotivo por força dos erros humanos de cada membro de cada uma das três equipas em campo. Cardozo fartou-se de errar, falhando golos dados. O primeiro golo do Porto resulta de um erro do lado esquerdo da defesa encarnada. Os dois golos do Benfica resultam de claríssimas falhas de marcação.
Erraram todos. Mas se ninguém errasse, o futebol não valia a pena, porque não havia golos. 
Parece-me claro que, depois de quatro desaires (Zenit, Vitória de Guimarães, Académica e FC Porto), os benfiquistas estão mais nervosos. É um nervosismo normal, porque, no último minuto, se comprometeu uma eliminatória europeia. Porque, com três jogos para a Liga, o Benfica deixa de ser o campeão anunciado para disputar momentaneamente, ombro com ombro com o Braga, o segundo lugar. Porque, uma época volvida desde o fracasso do ano passado, o Benfica apenas vê como possível a vitória na Taça da Liga. Que vai ser a sua Champions League. E onde, para mal das suas pretensões, vai ter de voltar a defrontar o FC Porto.
O que eu vi, do jogo de ontem, com a tranquilidade de quem olha por fora e sem desejar a vitória de qualquer das equipas, foi uma vitória inesperada de Vitor Pereira que tirou da cartola um James que tinha chegado ao estágio no próprio dia do jogo. Foi isso que deu a vitória ao FC Porto. E quem ganhou o jogo, mais do que Hulk ou James, foi Vitor Pereira. E Pinto da Costa, que foi o único que apostou neste treinador.
Jorge Jesus não deixa, na minha opinião, de ser o melhor treinador a treinar em Portugal. Falhou num jogo. Mas esta foi sobretudo uma derrota colectiva. Aimar não apareceu. Emérson esteve sempre apagado. E o Benfica, à frente, era apenas Cardozo. Juntando-se a isso, Jesus foi ainda traído pelas lesões.
O Benfica só se pode queixar de si. Para dizer que deveria ter ganho o jogo, teria de ter tocado na bola nos primeiros vinte minutos. Teria de ter tido outra atitude nos últimos trinta. Porque, nessa altura, o Benfica não criou um único lance que lhe pudesse dar o empate. 
Posto isto, e sendo certo que não pode haver uma atitude com uns e outra atitude com outros, o que quero ver é a resposta que a Liga vai dar às declarações de Vieira e Jesus que são bem claras. Segundo eles, o Benfica foi prejudicado intencionalmente por Proença e pelo seu auxiliar. Para eles, o Benfica só perdeu por causa desses dois elementos. Que viram e não marcaram.
Este campeonato, que o Sporting perdeu em Dezembro, fica marcado pelas primeiras jornadas, em que, a juntar-se à falta de entrosamento entre os jogadores do Sporting, os árbitros erraram em alturas fulcrais, em prejuízo do Sporting. Godinho Lopes referiu-se, indirectamente, a esse factor. E a resposta foi clara: o árbitro nomeado recusou-se a apitar o Sporting em Aveiro. E todos os seus colegas, no corporativismo que lhes é conhecido, recusaram-se a apitar esse jogo.
Foi em Portugal, e já no século XXI, que, se não tivesse havido um árbitro dos distritais, se corria o risco de ver o jogo ser apitado por um adepto.
Para bem do nosso futebol, espero que isso não aconteça nunca mais. Mas tudo fica registado. O que disse, o que se fez para uns. O que se disse, o que se fará para outros.
Pedro Proença, o único português que está entre os 12 nomeados para o Euro, não deixa de ser o melhor árbitro português por força dos erros do seu auxiliar.
Não foi Proença que derrotou o Benfica em Guimarães. Não foi Proença que derrotou o Benfica em São Petersburgo. Não foi Proença que empatou o Benfica em Coimbra. Não foi Proença que derrotou o Benfica ontem. Não foi Proença que deu os 49 pontos que o Porto tinha à partida para este jogo.
Jorge Jesus não deixa de ser o melhor treinador a orientar uma equipa portuguesa nem um dos que mais admiro. O Benfica de Jesus é o melhor dos últimos 20 anos. Mas não perderia nada, o treinador do Benfica, se optasse por se concentrar apenas na sua equipa. Tendo em conta que o FC Porto tem um calendário muito difícil, Jesus, concentrando-se exclusivamente na sua equipa, poderá continuar a ter boas possibilidades de sair do Benfica, no fim desta época, com o título de campeão nacional. É que, ao contrário do ano passado, a luz ainda não se apagou e continua a haver muito campeonato para jogar.
Que assim seja, para bem da emoção e do entretenimento que nós, portugueses, procuramos no futebol.
E, voltando ao jogo, Proença acertou muito mais do que errou. Não merece que a sua honorabilidade seja posta em causa numa acusação pública e gratuita que incendeia ânimos e que provoca factos que são estranhos ao futebol, como aquele que ocorreu no Colombo, quando Pedro Proença foi agredido por um adepto do Benfica.
Pode não arbitrar mais jogos do Benfica. Mas isso tira a credibilidade ao campeonato. Se os jogos do Benfica forem sempre arbitrados por quem o Benfica quer (como o árbitro Capela), o Benfica era campeão só com vitórias. Todos já sabemos isso.
Quanto ao resto, que é o que verdadeiramente interessa, mas mantendo-nos nos erros, Jesus errou mais que Vitor Pereira. Essa é a verdadeira notícia. Mais ainda porque ninguém a esperava. Por isso, o FC Porto ganhou. E Vitor Pereira é o único herói, o herói improvável, de mais um episódio insólito do futebol português.

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