domingo, 9 de outubro de 2011

Puro Sangue Lusitano, decisão no precipício


Nós, que não somos gregos, podemos imaginar o seu estado de espírito quando a possibilidade de vender as suas ilhas foi noticiada pelo mundo fora. Numa lógica de vender os anéis para ficar com os dedos, os gregos terão sentido esse peso como ninguém. A responsabilidade era deles. Essa possibilidade só a eles se devia. E, para o povo que inventou a democracia, sentir que iria ficar sem um dos seus mais importantes cartões de visita deve ter sido sentido como uma machadada quase definitiva na identidade de um povo com muitíssimos séculos de História.

O Estado Português vive uma situação financeira dramática com um impacto enorme a nível económico e social. A situação financeira, tenhamos coragem de dizê-lo, deve-se a um conjunto de medidas desgovernativas do período traumático que se seguiu à revolução de Abril. E, apesar de nos devermos assumir como europeístas praticantes, houve também uma (ir)responsabilidade da União, que foi decisiva na forma como o país foi vivendo mortes lentas nos mais diversos sectores.

Não temos nenhuma razão para sorrir. As pequenas e médias empresas vivem sérias dificuldades, multiplicam-se os despedimentos e os salários em atraso. Os jovens, sentindo os seus sonhos e horizontes castrados em Portugal, vão embora à procura da dignidade que este país deixou de lhes poder oferecer.

A economia parou. Parou por força das empresas públicas, parou por força da banca e dos grandes grupos económicos, parou pelas mais diversas circunstâncias. O que é certo é que a riqueza deixou de ser redistribuída pelo Estado (que, irresponsavelmente, suga aquilo que pode sugar), pelas empresas e pelos particulares. Portugal, diz-se por aí, faliu. E, como faliu, para já vivemos na lógica no ninguém paga a ninguém.

Ora, se ninguém paga a ninguém, se o Estado suga em vez de investir, se deixou de haver trabalho, se o consumo das famílias tem vindo a cair em flecha, podemos concluir que, no século XXI, trinta e sete anos depois do 25 de Abril, Portugal está a construir pobreza.

Chegámos ao precipício. E temos ainda muito a perder.

Perdemos a honra, a riqueza, a dignidade. Só não vamos perder o ouro que juntámos durante séculos porque não nos deixam, porque nos obrigam a ter de ficar com ele. Caso contrário, fá-lo-íamos, continuando a viver acima das nossas possibilidades.

Apenas não perdemos a História, porque essa perdurará até haver livros, documentos e memória.

Quanto às ilhas, há cada vez mais portugueses continentais que, no subconsciente, se querem ver livres do peso da dívida da Madeira.

Resta-nos o quê? Tendo em conta o facto de estarmos a auto-destruir as nossas humildes mas honrosas tradições e a beleza paisagística, praticamente o que nos resta é a Língua, é o Fado, é o Puro Sangue Lusitano.

A Língua Portuguesa sofrerá alterações na passagem do ano. Dir-me-ão que faz parte do desenvolvimento cultural. Tenho opinião, diversa, mas não discuto. Preocupa-me o facto de ver a nossa Língua sedeada noutro local fora deste país.

O triste fado que cantamos força-nos também a reflectir sobre o Puro Sangue Lusitano, que é, a par do Árabe e do Inglês, um dos três Puro Sangues que existem no mundo. É um cartão de visita, um produto português com certificado de qualidade.

Estamos a perdê-lo.

O centro da criação e do comércio deste Cavalo Nacional, se nada for feito, deixará de estar em território nacional. Corremos o risco de vê-lo situado numa qualquer fazenda brasileira. E, na Europa, o centro poderá passar a localizar-se na Bélgica ou França. Isso poderá demorar uns meses, uns anos talvez.

Mas a situação da Coudelaria de Alter, de 263 anos, está por dias. O Estado não tem dinheiro para a sustentar. Os animais deixaram de ser vendidos em leilões. Deixou de haver transparência na sua gestão. Diz-se, nos corredores da vida, que deixou de haver dinheiro para alimentar os animais, que a intenção governamental é, travestidamente, extinguir esta Instituição que faz parte do Património Histórico e Cultural do país.

O Serviço Nacional Coudélico, apesar de existir, por já não conseguir saber servir, não serve a ninguém.

Na Associação dos Criadores do Cavalo Puro Sangue Lusitano não há paz. Tem vingado uma lógica pouco transparente nas relações entre os criadores, os consumidores de cavalos desta Raça, mas sobretudo entre os próprios criadores e a Associação.

A propósito, há uma história absolutamente dramática que merece ser contada.

Em tempos, numa fase igualmente complicada da Coudelaria de Alter, houve um senhor que a ajudou, cedendo, ao Estado, por via dessa coudelaria pública, dois garanhões e um núcleo de éguas. Esse senhor, que Deus já tem, construiu uma das poucas linhas que existem de cavalos lusitanos, teve um contributo essencial na criação e desenvolvimento da Raça, ajudou o Estado Português, a Raça, os criadores.

Os herdeiros partilharam essa sua paixão pelo Cavalo Lusitano e continuaram a criar cavalos. Fizeram-no sem incentivos do Estado. Pelo contrário.

Por força de pontuações e resultados pouco rigorosos, um dos seus filhos sente-se forçado a vender algumas das suas éguas, do melhor que há no país e no mundo, para o talho.

Quem cria, com amor, trabalho, sacrifício e dedicação, cavalos Puro Sangue Lusitano, não pode ficar indiferente ao que se está a passar, até porque se trata de algo que é dramaticamente histórico.

É revoltante!

Não vou sequer falar da forma pouco responsável como a pessoa responsável a nível governamental, por desconhecimento de causa, pensa ter descoberto soluções para a Escola Portuguesa de Arte Equestre. A dignidade que merece a Escola e a própria Arte Equestre impede-me de descer a tão baixos patamares.

Mas a situação é séria. E, sendo séria, tem havido uma incapacidade de quem lidera no sentido de evitar e ultrapassar os problemas sérios e decisivos que se colocam hoje ao cavalo Puro Sangue Lusitano como produto português de excelência, à Coudelaria de Alter, aos criadores que estão associados numa Associação que tem pouca habilidade e visão para os desafios que se nos colocam a todos.

Tendo em conta a importância que o nosso cavalo tem na identidade portuguesa, assim como a relevância que poderia adquirir no futuro a nível económico e turístico, nesta altura, que é decisiva, não podemos baixar os braços.

Sem rupturas e guerras que possam deitar tudo a perder, com sentido patriótico e de Estado, temos a obrigação de corresponder a esta chamada de urgência, que é dramaticamente histórica, fazendo aquilo que for possível para salvar este património, material ou imaterial, que é parte integrante da nossa identidade enquanto portugueses.

Enquanto filho de um criador, sócio-fundador da Associação a que acima me referi, sou um apaixonado pelo Puro Sangue Lusitano. Por ele, faço o que posso, investindo nele tudo aquilo que me é possível investir, sempre de acordo com os poucos conhecimentos que tenho. Sei que o faço em conjunturas que não poderiam ser, e talvez até nunca tenham sido mais, adversas. Mas este é o grande desafio e esta é a minha causa.

Por uma questão de gratidão, de memória e de reconhecimento, por uma questão patriótica e de Estado, pelo amor a uma causa portuguesa e rural, por acreditar que se trata de uma questão de identidade nacional e com viabilidade aos mais diversos níveis, nenhum de nós pode deixar morrer a Coudelaria de Alter, as mais importantes Coudelarias privadas nacionais, a Escola Portuguesa de Arte Equestre e tudo aquilo que, surgindo ligado ao gado cavalar e ao Puro Sangue Lusitano, é de claro interesse público.

Fazer ou não fazer. Lutar ou desistir. Ter problemas e pegar nos problemas ou vender a alma ao diabo. Ganhar ou perder.

A escolha é de cada um.

A História responsabilizar-se-á de a julgar.

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