segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Uma viagem à pré-história


Não há nada que eu possa dizer que venha acrescentar alguma coisa ao que já foi dito por Ângelo Correia, Dias da Cunha, Pereira Cristóvão, Godinho Lopes, Luís Filipe Coimbra, Luís Paulo Rodrigues ou Rui Calafate.
Posso, quanto muito, testemunhar.
Estive em Alvalade às 4, cheguei à Luz às 6.45, entrei no corredor da bancada às 9.00 horas, no início do intervalo e não me deixaram entrar na bancada.
A demora da entrada foi premeditada.
Quando entrei, senti-me mal e, com 2 amigos, tive de sair. Lavámos a cara, deitámo-nos no chão do corredor, respirámos e tornámos a entrar.
O sector estava sobrelotado. Havia duas pessoas para cada lugar e assisti à segunda parte do jogo nas escadas. Quem entrava não podia sair. Nem para beber água. Havia gente desidratada, as pessoas tinham de urinar na própria bancada.
Fomos tratados como animais, não foram respeitados os nossos direitos mais elementares enquanto seres humanos.
No fim do jogo, não houve um sportinguista a cair ao fosso, mas houve um conjunto de pessoas que caiu do varandim da bancada.
Há imagens, relatos, testemunhos de tudo isso, parte deles captados em directo.
Houve dois fotógrafos de jornais que foram violentamente agredidos no relvado no final do jogo por seguranças e, na bancada e muito antes disso, houve um segurança de bigode que teve de ser agarrado pelos outros seguranças para não agredir adeptos do Sporting.
Antes da saída, tivemos de permanecer na bancada, sem acesso ao corredor.
Foi nesse período que um grupo de adeptos pegou fogo em três locais diferentes da bancada e em alguns caixotes de lixo.
Um desses incêndios só foi controlado quando estávamos lá fora.
À saída, fomos empurrados escadaria abaixo.
Mesmo nesse período, não se pôde ir beber água nem ir à casa de banho.
É de louvar o espectáculo em campo criado por duas boas equipas, treinadas por dois grandes treinadores num jogo que foi bem apitado, tendo em conta que o árbitro apenas um cometeu um erro, grave, mas que, por ter sido único e ter ocorrido no seu primeiro derby, o desculpabiliza. O Benfica ganhou bem porque foi mais eficaz a defender e a atacar.
Quanto aos outros intervenientes, falta dizer que a polícia, apesar das limitações e dos excessos de uma minoria que abusa da autoridade (e que não vincula a maioria), evitou uma tragédia antes, durante e depois do jogo. Caso contrário, estaríamos, se é que estávamos mesmo cá, para contar outra história.
Enquanto adepto, sinto-me triste. Enquanto ser humano, sinto-me envergonhado. Mas ainda bem que os dirigentes puderam constatar o que se passou.
Havia portugueses vindos, de propósito, do estrangeiro e que só puderam ver a segunda parte. Havia gente a quem custa, e muito, pagar 22 euros. Havia pessoas a ter de lutar pela sua saúde e dignidade.
Haja agora um pouco de coragem da Liga, mas também do Estado (falo do ministro da Administração Interna), que tem de perceber, com clareza, o que se passou e porquê.
Se a colocação da gaiola era suspeita, deixou de o ser depois das afirmações de um ser humano que parece ter caído de Marte que gozou os adeptos que caíram ao fosso e de um homem ressabiado e orelhudo que diz preferir ignorar o que se passou como o homem que cospe na cara de um homem morto.
Eu não peguei fogo, não agredi ninguém, não empurrei para entrar a horas. Apenas fiz ordeiramente aquilo que a polícia ia instruindo. Mas talvez tenhamos sido, feito o balanço final, demasiadamente educados.
O Sporting não tem, por isso, de esperar por nada para contestar tudo o que se passou nas instâncias próprias. Se o fizer, que fique claro, cumprirá uma obrigação. Não o fará em nome de qualquer claque, em nome de nenhum adepto. Fá-lo-á em nome dos homens e das mulheres, de todos, seja de que clube forem. Fá-lo-á contra as gaiolas e jaulas. Fá-lo-á em nome da dignidade, da liberdade, da igualdade. Mas também do desporto e do futebol enquanto festa dos amigos e das famílias.
Caso contrário, para ir ao futebol, temos de pagar e de levar um manual de sobrevivência.
Independentemente do clube que apoiemos, esta é, tem mesmo de ser, uma luta de todos.
Permitam-me, ainda assim, que acabe com um...
...Viva o Sporting!

2 comentários:

moijeeu disse...

Obrigada pelo seu testemunho. Já tinha imaginado que teria sido complicado mas através da sua descrição quase que me senti lá também...também me senti humilhada. Ir a um jogo de futebol não pode ser uma humilhação. Quinta feira lá estarei no nosso estádio onde todos serão bem recebidos, tenho a certeza disso.
Parabéns pelo post.
Ass: Leoa Ferrenha

luis cirilo disse...

Caro António apenas lhe posso deixar uma palavra de solidariedade desportiva e humana.
Creio que todos nós que gostamos de futebol e de desporto temos de nos sentir revoltados com as medidas tomadas pela direcção do benfica antes deste jogo com o Sporting.
Porque os principios(ou melhor,a falta deles) desse papagaio gabriel ou do orelhudo que refere apelam ao que de mais repugnante existe na natureza humana.
O desrespeito pela vida das pessoas,dos seus direitos,da dignidade de serem tratadas como pessoas.
O que o benfica fez foi deliberado,maldoso e provocatório para o Sporting.
São os mesmos que ,mais uma vez ao arrepio das normas de segurança,mandaram apagar as luzes do estádio quando o Porto lá festejava o titulo.
Para estes "senhores",a exemplo de outro antigo presidente do slb,"vale tudo".
Pena é que a comunicação social,infestada da porta vozes do benfica,dê mais destaque ao incêndio de algumas cadeiras do que ás razões que levaram a toda aquela justa revolta de quem pagou bilhete para ver um espectáculo desportivo e foi tratada como gado no matadouro.
O ano passado quando perderam aqui em Guimarães para o campeonato os adeptos do slb destruiram centenas de cadeiras,queimaram algumas e só não fizeram pior porque a policia os "acalmou" à bastonada.
Não vi então a imprensa tão preocupada com as desordens nem o papagaio gabriel a falar de fossos da maneira vergonhosa como o fez no sábado.
Tenho a certeza que grandes dirigentes do Benfica,como Borges Coutinho ou Mauricio Vieira de Brito,teriam vergonha de verem este sujeito a presidir aos destinos de um clube cuja grandeza é inversamente proporcional À pequenez de quem o dirige na actualidade.
Um abraço vitoriano.