quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Um apelo à consciência social das pessoas


Na altura em que escrevo, a maioria dos leitores já sofre o impacto da crise, a redução dos ordenados, a diminuição do seu poder de compra, o corte nas prestações sociais.
O sentimento que se tem vindo a generalizar é de nervosismo, de ansiedade, de incerteza, porventura até de alguma revolta. É uma espécie de inconformismo calado até ao dia em que alguém começar a levantar a voz, juntando-lhe a voz de mais pessoas.
Mas, mais do que a factura que os portugueses estão a pagar, importa sublinhar que esta é, de facto, uma altura que, sendo difícil para quase todos, não me pode fazer abrandar a solidariedade e acabar com a consciência social das pessoas.
A quem governa exige-se grande sentido de missão, sobretudo nesta altura de crise, mas também enorme sentido de responsabilidade no sentido de que a obrigação de reequilibrar as contas públicas tem de ser feita com consciência, exigindo-se aos portugueses que ajudem o país com proporcionalidade e justiça.
Os sacrifícios têm de ser exigidos, com a tal proporcionalidade e justiça de que falei, a todos os portugueses. A todos sem excepções, incluindo funcionários públicos, gestores públicos, pessoas de todo o país. E os Açores também são Portugal.
É também exigente a tarefa da oposição, nesta altura fundamentalmente fiscalizadora. Numa altura em que, acima da crise financeira, está uma crise económica e social, a oposição não pode deixar de colaborar com o Governo, fazendo-lhe chegar propostas que tragam à sua política financeira maior justiça, maior proporcionalidade, maior eficiência.
Mas, nesta altura, não podemos reduzir a tentativa que está a ser feita para pagar buracos e derrapagens aos agentes políticos. Há também que apelar à tal consciência social das pessoas, por muito que lhes custe a altura difícil que estão a passar.
Por muito difíceis que sejam os tempos, uma das boas formas de os superar passa por relativizar as coisas.
Os leitores estarão, nesta altura do texto, ainda mais revoltados do que quando começaram a lê-lo. É sempre mais fácil falar do que estar na pele de alguém que perdeu aquilo que, pelo seu trabalho, mereceu ter.
Isso não está em causa. Mas, enquanto houver um casal que sobrevive com 360 euros a ter a obrigação de pagar a renda da casa de 350, enquanto houver idosos sem dinheiro para comprar medicamentos, enquanto houver famílias que só têm uma refeição por dia, enquanto houver gente a querer abortar por insuficiência económica de criar uma vida digna ao filho, enquanto houver fome e miséria neste país, nós poderemos sempre fazer algo mais.
Sejamos, também nós, que pelo menos ainda não passamos fome, mais exigentes na gestão do dinheiro que vamos tendo.
Há gente que, ao contrário de nós, não tem casa, não tem família, não tem condições higiénicas. Todos os dias morre gente com fome. Ou por impossibilidade de recorrer a serviços de saúde.
Mas nós, portugueses, temos de forçar o Governo (ou alertar as oposições)a pedir "sacrifícios" proporcionais sobretudo a quem goza de reformas que, não deixando de ser merecidas, são excessivas nesta altura em que o Estado, para as manter, retira uma pensão a uma senhora de 56 anos que, não encontrando emprego, terá de dizer que é divorciada e, porventura, de viver na rua, para poder ter direito a uma prestação social minimamente digna.
Há que perseguir as pessoas que não querem trabalhar e que estão injustamente acomodadas a prestações sociais que não merecem receber. Há que reduzir, drasticamente, salários que o Estado paga e que são, sobretudo, para distribuir o dinheiro dos impostos por estruturas partidárias.
Dizia Francisco Lucas Pires, numa entrevista que deu a um jornal nacional e com outro propósito, que as crises são propícias às mudanças. Serão certamente. Quem não tem emprego e consiga sobreviver sem esse emprego, pois que invista em si próprio, conclua os estudos, candidate-se a cursos para melhorar a sua formação. Quem perdeu o emprego, que não perca nunca a esperança e aproveite o tempo livre para puxar pela cabeça, estudar o mercado e abrir o seu próprio negócio. E os outros, os que trabalham, não podem deixar de sentir o privilégio que, apesar do corte salarial, ainda existe quando, simplesmente, se trabalha e se é remunerado.
Esses têm também uma função essencial: têm de ser ainda mais exigentes e ainda mais solidários. Exigentes, trabalhando melhor, produzindo mais, criando riqueza. Solidários, assumindo uma função social, que, além da maior contribuição para as contas públicas, pode passar por uma colaboração com as instituições e com os mais desprotegidos. Porque os que podem fazê-lo não podem deixar de contribuir com comida para quem tem fome, com medicamentos para quem está doente, com dinheiro para quem é pobre e pode, por exemplo, perder o direito à casa. Pode fazendo, cortando alguns minutos no duche quente, desligando as luzes mais cedo todos os dias por semana, fumando menos, andando mais devagar de automóvel ou, até, usando transportes públicos.
Temos mesmo que relativizar as coisas. Todos nós temos um papel neste mundo. Pois então que o cumpramos, porque o tempo é exigente e, agora, é Portugal que chama por nós.

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