terça-feira, 21 de abril de 2009

A nostalgia do "tema livre"


A entrevista desta noite de José Sócrates fez-me recordar a minha infância e o tempo da escola primária.
Lembrei-me daquelas redacções que a professora me pedia para fazer, em que o tema era livre. Também as professoras de educação visual me pediram, não raras vezes, para fazer um desenho. Muitas vezes era também de tema livre.
Como sempre gostei de escrever, nas redações em que era eu que escolhia o tema, punha sempre no papel a minha criatividade. Curiosamente, quando entrei para os Salesianos, no 7ºAno, a redação era de tema livre. E garanto-vos que no texto que escrevi para esse teste, conjuguei, numa folha A4, as formigas e outros animais com os livres do Roberto Carlos. Era ali que eu me sentia à vontade. E, a julgar pelo resultado, saí-me bem.
Infelizmente, no desenho não era assim. Nunca soube desenhar um cavalo e ainda estou para perceber como é que se consegue fazer um desenho de uma pessoa com mais qualidade do que os desenhos da minha afihada, que fez sete anos no mês passado. Quando era tema livre, eu fazia estádio de futebol, com as linhas mais ou menos onde deviam estar, com uns riscos para de cima para baixo e outros da esquerda para a direita. E, nesses desenhos que eu fazia, aparecia sempre o marcador, em que aparecia sempre o Sporting a ganhar. Em desenho, nunca soube fazer bem outra coisa que não sejam estádios de futebol. Então era isso que eu escolhia, sempre, no tema livre. Como não eu sabia fazer bem outra coisa, fazia sempre a mesma.
Não vi toda a entrevista inteira que o Primeiro-Ministro deu hoje aos seus inferiores hierárquicos. Mas, nas partes que vi, lembrei-me do "tema livre". E ai de quem nos peça aquilo que não queremos. É tema livre e ponto final: falamos do queremos, pomos em causa as perguntas legítimas às quais não queremos responder e somos nós que conduzimos as coisas como melhor entendermos.
No "tema livre" ninguém nos confronta com contradições. Há seis meses, o ministro das finanças dizia que Portugal estava imune à crise. Hoje, o Primeiro-Ministro disse que a crise começou em 2007. Para não falar do ministro Pinho, que veio dizer que "a crise acabou totalmente".
Ai de quem nos diga que estamos a desviar um caso de corrupção para uma questão de licenciamento!
Ai de quem nos diga que não estamos a cima da lei! Porque qualquer cidadão é livre de denunciar à Justiça aquilo que julgar relevante. Neste aspecto, o caso em que Sócrates parece estar envolvido não é nenhuma raridade. Há outros políticos nas mesmas circunstâncias. Sobre questões praticamente irrelevantes.
Ai de quem nos diga que revelamos pouca sensibilidade e cultura democráticas e que não temos condições para governar. Porque entrámos em guerra com o chefe de Estado. Porque falhámos em todos os sectores. Porque estamos envolvidos em casos que agravam, a cada dia, a imagem de Portugal lá fora. E cá dentro. Porque cá dentro também a confiança, há muito, deixou de existir.
Foram momentos. Apenas alguns. Os suficientes, para me lembrar da minha infância e do "tema livre": em que eu fazia o que queria, o melhor que conseguia para que o resultado final não saísse demasiado medíocre.

Sem comentários: