quinta-feira, 29 de abril de 2010

As obras públicas e o Estado Social


Creio que já é pacificamente aceite a teoria de que Portugal não deve, neste momento, avançar para novas obras públicas megalómanas, como o novo aeroporto internacional de Lisboa, o TGV, entre outras.
Não deve avançar por uma única razão: o país não tem dinheiro para as pagar.
Dada a situação actual do país, da Europa e do Mundo, é desaconselhável pedir dinheiro emprestado, ao exterior, a quem o país já tanto deve. Até porque pagaria muito caro esse empréstimo.
Seria um bom sinal para os investidores e um excelente exemplo para os cidadãos, forçados a um novo e violento aperto de cinto, que o Estado voltasse atrás nesta questão.
Mas o que diz o Governo e o PS? Dizem que é mesmo para avançar. Com o argumento de que o país não pode faltar com os seus compromissos. Argumento suportado pelos valores das indemnizações que seriam consequência do incumprimento com o que o Estado se comprometera.
Se tivessem sido seguidos os conselhos feitos pelo PSD em tempo útil, ou seja, se o Governo não se tivesse comprometido com o avanço para obras inviáveis no presente e no curto-prazo, o país podia não avançar, por agora, para essas mesmas obras. Dando o exemplo aos cidadãos que já perderam a "tanga" e a confiança necessária aos investidores, aos credores e aos agentes económicos.
O Governo e o PS mantiveram a sua teimosia e a opção de avançar para obras públicas faraónicas, ao mesmo tempo em que aumenta impostos, corta nas pensões e se farta de pedir sacrifícios aos portugueses.
Ou seja, o Governo e o PS, que rejeitam uma revisão constitucional que possa mexer no Estado Social, prova, na prática, que se "está completamente cagando" para esse mesmo Estado Social. Em detrimento de um Estado pobre, que, irresponsavelmente, cultiva uma imagem de "novo-rico".

1 comentário:

Anónimo disse...

Corria o ano da graça de 1962. A Embaixada de Portugal em Washington recebe pela mala diplomática um cheque de 3 milhões de dólares (em termos actuais algo parecido com € 50 milhões) com instruções para o encaminhar ao State Department para pagamento da primeira tranche do empréstimo feito pelos EUA a Portugal, ao abrigo do Plano Marshall.

O embaixador incumbiu-me – ao tempo era eu primeiro secretário da Embaixada – dessa missão.

Aberto o expediente, estabeleci contacto telefónico com a desk portuguesa, pedi para ser recebido e, solicitado, disse ao que ia. O colega americano ficou algo perturbado e, contra o costume, pediu tempo para responder. Recebeu-me nessa tarde, no final do expediente. Disse-me que certamente havia um mal entendido da parte do governo português. Nada havia ficado estabelecido quanto ao pagamento do empréstimo e não seria aquele o momento adequado para criar precedentes ou estabelecer doutrina na matéria. Aconselhou a devolver o cheque a Lisboa, sugerindo que o mesmo fosse depositado numa conta a abrir para o efeito num Banco português, até que algo fosse decidido sobre o destino a dar a tal dinheiro. De qualquer maneira, o dinheiro ficaria em Portugal. Não estava previsto o seu regresso aos EUA.

Transmiti imediatamente esta posição a Lisboa, pensando que a notícia seria bem recebida, sobretudo num altura em que o Tesouro Português estava a braços com os custos da guerra em África. Pensei mal. A resposta veio imediata e chispava lume. Não posso garantir a esta distância a exactidão dos termos mas era algo do tipo: "Pague já e exija recibo". Voltei à desk e comuniquei a posição de Lisboa.

Lançada estava a confusão no Foggy Bottom: - não havia precedentes, nunca ninguém tinha pago empréstimos do Plano Marshall; muitos consideravam que empréstimo, no caso, era mera descrição; nem o State Department, nem qualquer outro órgão federal, estava autorizado a receber verbas provenientes de amortizações deste tipo. O colega americano ainda balbuciou uma sugestão de alteração da posição de Lisboa mas fiz-lhe ver que não era alternativa a considerar. A decisão do governo português era irrevogável.

Reuniram-se então os cérebros da task force que estabelecia as práticas a seguir em casos sem precedentes e concluíram que o Secretário de Estado - ao tempo Dean Rusk - teria que pedir autorização ao Congresso para receber o pagamento português. E assim foi feito. Quando o pedido chegou ao Congresso atingiu implicitamente as mesas dos correspondentes dos meios de comunicação e fez manchete nos principais jornais. "Portugal, o país mais pequeno da Europa, faz questão de pagar o empréstimo do Plano Marshall"; "Salazar não quer ficar a dever ao tio Sam" e outros títulos do mesmo teor anunciavam aos leitores americanos que na Europa havia um país – Portugal – que respeitava os seus compromissos.

Anos mais tarde conheci o Dr. Aureliano Felismino, Director-Geral perpétuo da Contabilidade Pública durante o salazarismo (e autor de umas famosas circulares conhecidas ao tempo por "Ordenações Felismínicas" as quais produziam mais efeito do que os decretos do governo). Aproveitei para lhe perguntar por que razão fizemos tanta questão de pagar o empréstimo que mais ninguém pagou. Respondeu-me empertigado: - "Um país pequeno só tem uma maneira de se fazer respeitar – é nada dever a quem quer que seja".

Lembrei-me desta gente e destas máximas quando há dias vi na televisão o nosso Presidente da República a ser enxovalhado pública e grosseiramente pelo seu congénere checo a propósito de dívidas acumuladas.

Eu ainda me lembro de tais coisas, mas a grande maioria dos Portugueses de hoje nem esse consolo tem.

(texto Luis Soares de Oliveira)